sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Acerola e Laranjinha voltam no filme 'Cidade dos Homens'

Adeus, meninos

"Cidade dos Homens", longa-metragem que estréia hoje nos cinemas, fecha o ciclo dos personagens Acerola e Laranjinha, que começou com o curta "Palace II" e seguiu para a série de TV


Eles eram apenas garotinhos da favela quando protagonizaram "Palace II" (2001), curta-metragem de Fernando Meirelles que tinha como ambição testar técnicas de filmagem para o que depois se tornaria o explosivo "Cidade de Deus" no ano seguinte. O sucesso deste último (mais de 3 milhões de espectadores e muita discussão dentro e fora do Brasil) gerou o seriado de TV "Cidade dos Homens", que, quatro temporadas depois, chega aos cinemas com a ambição de dar um fecho à saga de Acerola e Laranjinha - aqueles dois garotinhos lá do início do texto.

"É o fim de um ciclo", define Paulo Morelli, diretor do longa-metragem que estréia hoje em 160 salas do país - incluindo várias em Belo Horizonte. Morelli acredita que todo esse processo de começar no cinema, ir para a TV e agora voltar ao cinema foi importante para desenvolver a relação entre essas duas mídias no país. "É a possibilidade de um trabalho de qualidade tanto no cinema quanto na televisão. Eu e o Fernando (Meirelles), por termos começado na TV, nos sentimos muitos livres na hora de trafegar entre um e outro", diz. Paulo Morelli, que estreou no cinema com "O Preço da Paz" e seguiu na comédia "Viva Voz", entrou para a produção de "Cidade dos Homens" na segunda temporada, exibida na Globo no final de 2003.

O momento coincidiu com a decisão, desde então, de finalizar as aventuras dos dois amigos favelados na tela grande. "Do último episódio daquele ano nós começamos a traçar o final da série, que seria composto de mais duas temporadas na TV e um filme. Dali em diante, fomos plantando as sementes que desembocariam na história que tratamos agora no cinema", relembra Morelli. A história, no caso, tem como fundamento a paternidade. De um lado, Acerola (Douglas Silva) precisa assumir o filho quando a mãe da criança mudase para trabalhar fora do Rio de Janeiro.

Do outro, Laranjinha (Darlan Cunha) quer a todo custo conhecer o pai que o renegou. No meio do caminho, vão esbarrar na crescente guerra do tráfico típica dos morros cariocas. O tom da série se manteve: retratar o universo da favela pelo olhar da comunidade - diferente de "Cidade de Deus", que priorizava o cotidiano da bandidagem.

"Acerola e Laranjinha são exemplos de várias possibilidades: a de escapar de um mundo sufocante e do domínio do tráfico, da pressão da polícia, da exclusão social. Tudo sem perder a alegria de viver, a força e a integridade", descreve o diretor. Por conta de tantas características marcantes, Morelli acha que a dupla de "Cidade dos Homens" já virou um símbolo pop.

"Eles são heróis e exemplos não apenas dentro do que a gente mostra, mas também em âmbito pessoal, na figura dos dois atores, que são a alma disso tudo. As pessoas da favela ganharam rosto e uma vida concreta diante daqueles que os ignoravam. O mais importante da série sempre foi dar olhos e rosto a essa gente".

Públicos distintos
A expectativa de bilheteria não desanima o realizador. Seria até natural se o fizesse, visto que cada episódio de "Cidade dos Homens" atraía aproximadamente 30 milhões de telespectadores - marca impossível de ser alcançada no atual cenário do cinema feito no Brasil. "Os nossos personagens ganharam o carinho e respeito do público, e espero que muita gente que os via em casa vá vê-los no cinema. Mas sei que são públicos distintos".

Ainda que comande um derivado de TV com produção da poderosa O2 Filmes de Fernando Meirelles, Paulo Morelli diz ter tido total liberdade na condução do filme. "O Fernando e os outros envolvidos no seriado deram apenas uma lida no roteiro e me liberaram para o caminho que eu quisesse", conta.

"A vantagem do cinema é que ele possibilita um maior aprofundamento dramático que os episódios curtos de TV não deixavam, até pelo formato". E Morelli garante: "’Cidade dos Homens - O Filme’ não é um episódio expandido, mas um filme universal, que poderá ser entendido até por quem nunca viu o seriado". E brinca: "Quisemos fazer um longa para poder ser visto e compreendido até na Ucrânia".

________________________________________


Uma fábula bonita, mesmo sem ser feliz

SÃO PAULO – Talvez quem espere de “Cidade dos Homens” uma continuação perfeita de “Cidade de Deus” venha a se decepcionar. Mas isso é o que de melhor poderia acontecer com o filme de Paulo Morelli – não seguir os traços de sucesso daquele divisor de águas do cinema brasileiro da Retomada e dar um rumo pessoal aos seus personagens. O risco de parecer uma contrafação do primeiro era grande. Afinal, os personagens Acerola e Laranjinha aparecem no curta “Palace II”, espécie de laboratório de “Cidade de Deus”.

Depois do sucesso (público, crítica e internacional) do filme de Fernando Meirelles baseado no romance-depoimento de Paulo Lins, a Globo encampou o projeto na série de TV “Cidade dos Homens”. Agora, o filme homônimo chega às telas. O que ele tem de mais? Muita coisa, a começar pelo eixo que Morelli estabelece para balancear sua história – a questão paterna. Acerola (Douglas Silva) é pai precoce.


Tem um filho de dois anos e, quando a mulher arranja emprego em São Paulo, ele tem de assumir a guarda da criança. Já o problema de Laranjinha é outro. Filho de pai desconhecido, quer descobrir suas origens. Enquanto os dois procuram resolver seus problemas, o morro onde vivem ferve com a guerra de quadrilhas do tráfico. Madrugadão (Jonathan Haagensen) e Nefasto (Eduardo BR) disputam a liderança e envolvem os outros na violência. É o ambiente de “Cidade de Deus”, mas fotografado em seu inverso.

Se no filme de Fernando Meirelles via-se quase apenas o lado dos traficantes, como se não houvesse pessoas honestas na favela, aqui é o contrário. O tráfico faz o papel de incômodo pano de fundo; no primeiro plano, estão as pessoas normais, pobres com muitas dificuldades. Aqui, procura- se movimento mais lento, reflexivo. Afinal, Acerola e Laranjinha são dois garotos, agora com 18 anos, que desejam escapar à determinação de ferro do lugar onde nasceram e cresceram. Esse é o horizonte de “Cidade dos Homens”.

Existe um caldo de cultura desfavorável, tudo empurra a dupla para o crime. Mas sempre existe uma saída. Em “Cidade de Deus” também havia, e essa exceção era representada pelo personagem Buscapé, que se torna fotógrafo e sobrevive. Mas ele era o narrador, alguém que via, quase de fora, a história se desenrolar e a registrava, com participações mínimas. Agora os que procuram escapar são os dois protagonistas.

O mundo não tinha saída para Zé Pequeno e Bené, mas parece mais aberto para Acerola e Laranjinha. Não por acaso eles encontram a via de escape no processo que desencadeiam ao responder a uma pergunta: O que é ser pai? Pergunta que remete à identidade de cada um. Buscando saber quem são, Acerola e Laranjinha encontram uma liberdade possível. Pode não ser uma fábula feliz, mas mesmo assim ainda é bonita. (Agência Estado)


Veja o Trailer aqui.



FONTE: O Tempo

Nenhum comentário: