segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Uma história sem fim

Dez anos depois, segue o mistério do filme 'Chatô'

Ainda há quem tenha fé em Chatô - O Rei do Brasil, filme envolvido em uma polêmica sobre o uso do dinheiro público pelo diretor do longa, o também ator Guilherme Fontes. Dos que torcem pela finalização do projeto, membros do elenco são os mais esperançosos. Para eles, o assunto não é folclore: trata-se de um trabalho de dez anos no set de filmagem.

Chatô foi rodado durante várias temporadas. No elenco, estavam atores de primeira como Marco Ricca, Paulo Betti, Andréa Beltrão, Leandra Leal, Eliane Giardini, Diogo Vilela, Letícia Spiller e Letícia Sabatella. A encenação da vida do empresário das telecomunicações Assis Chateaubriand exigiu fina caracterização e figurantes a rodo.

Cada vez que as filmagens eram interrompidas por causa das pendências judiciais e da conseqüente dificuldade de se captar recursos, o elenco sofria. Para Marco Ricca, que fez o papel-título, viver o empresário de comunicações Chatô implicou em engordar 16 quilos e passar 15 horas por dia gravando - pelo menos três delas para a caracterização completa do personagem, que incluia maquiagem pesada para envelhecer e prótese dentária. Ricca ainda precisava pesar no sotaque nordestino e falar até alemão.

À espera de um milagre
Ele, claro, foi o mais sacrificado com a demora das filmagens e as confusões que envolveram o longa. Gravou as últimas cenas há três ou quatro anos - nem se recorda mais da data. Bastante frustrado com o que aconteceu, Ricca tem agora a pendência de gravar os offs. 'Foi um trabalho exaustivo, deixei muita coisa para poder realizá-lo. Mas me deu muito prazer, aprendi muito. É a sensação de um coito interrompido, sacou?'

A colega de elenco Letícia Sabatella, que viveu a primeira das mulheres de Chatô, entende. Ela recorda a dedicação de Ricca e de todo o elenco fixo e lamenta que o público ainda não tenha acesso ao que foi produzido. 'Fiz uma participação pequena. Então, não cheguei a ter pendências. Mas imagino como os outros se sentiram, o filme envolvia muita gente, era uma superprodução.' Letícia torce para que Chatô fique pronto porque, segundo ela, quem viu o que foi rodado gostou.

As notícias, no entanto, são desanimadoras. Ao contrário do que boatos recentes anunciaram, Guilherme Fontes nega que tenha iniciado a finalização do filme. Não há previsão para recomeçar. 'Se der a largada, cinco meses depois fica pronto. Mas não vou começar e ter de parar para captar verba. Não largo mais sem a meta de chegada.'

Fontes trabalha em Chatô há cerca de 15 anos. As filmagens começaram há 10. Em 1996, ele foi autorizado pelo Ministério da Cultura a captar R$ 12 milhões pelas Leis Rouanet e do Audiovisual. Em 1999, o MinC pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) que analisasse as contas do projeto. Começou a novela. As gravações foram interrompidas por suspeitas de irregularidades na gestão dos recursos. Em 2002, o TCU chegou a inocentar Fontes, mas a briga judicial entre o diretor e a Agência Nacional do Cinema (Ancine) se arrasta até hoje.

Pior para o elenco, que não tem previsão de quando verá o trabalho na telona. As expectativas foram grandiloqüentes como os números do longa - que contou até com a supervisão do premiado cineasta americano Francis Ford Coppola. Letícia Sabatella diz ter participado de cenas no Palácio do Catete que eram 'quase um show'. Além disso, todos os envolvidos na filmagem falam da qualidade, da maquiagem ao figurino. Fontes alega ter tentado dar aos atores tudo o que ele sabia, por experiência, que seria o ideal num set de filmagem. Só não acertou no vai-e-vem das gravações.

Segundo Paulo Betti, que viveu Getúlio Vargas, voltar a filmar seria desnecessário e complicado. Interpretar o ex-presidente exigiu dele raspar uma parte do cabelo e ficar assim durante um ano. 'Eu parecia um índio', conta. 'Seria muito difícil se eu tivesse que raspar o cabelo de novo, já o fiz duas vezes. Investi muito nesse personagem.' Além disso, os problemas do filme de Fontes acabaram atrapalhando Betti na captação de recursos para projetos seus. 'Eu chegava nas empresas marcado na testa pelos problemas do Chatô, os empresários desconfiavam.'

Mas ele e Marco Ricca ainda têm esperanças de ver o filme pronto. O intérprete de Chatô resume, bem humorado, a expectativa: 'Torço para que o Guilherme se livre desta etapa, que deve estar sendo muito difícil para ele. E para eu poder parar de ter de responder sobre o filme'.

O longa é baseado no livro Chatô - O Rei do Brasil, de Fernando Morais, que conta a vida do jornalista paraibano Assis Chateaubriand. Nascido em 1892, ele foi um dos empresários das telecomunicações mais importantes do País nas décadas de 30 e 40. Era dono dos Diários Associados, um complexo de jornais, emissoras de rádio, TV e revistas. Homem de muitas mulheres, tinha a moralidade contestada e, na política, apoiou Getúlio Vargas. Na década de 60, Chatô passou a investir mais na televisão e acabou se afogando em dívidas. Morreu em 1968.


FONTE: O Estado de São Paulo
Por: BRUNA FIORETI, bruna.fioreti@grupoestado.com.br

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