Não sou produtor cultural. Nunca escrevi um projeto, não fazia idéia até pouco sobre como funciona um programa de patrocínio. Decidi então começar uma pesquisa localmente. A prefeitura da cidade onde moro, Recife, tem o Sistema de Incentivo a Cultura (SIC), que aprova projetos em várias áreas diferentes. De todas, concentrei meus olhares nos de música, por afinidade e pela quantidade de projetos.
No ano passado, a Secretaria de Cultura da Prefeitura da Cidade do Recife distribuiu, através do Sistema de Incentivo a Cultura (SIC), um total de R$ 329.947,48 entre 11 projetos ligados à área de música. Fui conferir cada um dos projetos aprovados na edição anterior e eram quase todos para a gravação de CDs, com exceção do festival de música clássica Virtuosi.
No SIC, música não é apenas a área com o maior número de projetos aprovados, como é também a que tem os maiores valores. Seguido de teatro, que em 2006 aprovou dez projetos. No total, todos os aprovados somaram R$ 1,200,000 (um milhão e duzentos mil), que equivale a 1% da arrecadação do município. Parcela que ainda é considerado pouca para a maioria dos produtores, que defendem um recorte maior dessa arrecadação.
Isso não significa que, se aprovado, o projeto leva esse dinheiro. O que ele ganha é o direito de dar a uma empresa – um mecenas – a isenção fiscal para que esse dinheiro seja revertido diretamente em cultura. Alguns conseguem captar o que pedem, outros conseguem mais. Uma parte considerável também não consegue, o que tem levado a secretaria em repensar essa lógica. “Esse dinheiro viraria imposto arrecadado de toda forma, então talvez encaminharmos ele direto, a secretaria consiga garantir que os produtores possam fazer seus projetos”, ponderou o secretário de cultura do Recife, João Roberto Peixe.
Para ter uma idéia de quanto representa este valor de R$ 329,947,48, consultei o técnico de som Leonardo Domingues, do estúdio Mr. Mouse. Segundo ele, um disco com média de 12 faixas, gravado e mixado em estúdio, com uma prensagem de mil cópias, tem custo médio hoje de R$ 20 mil. O que significa que com o valor total distribuído entre os projetos de música poderiam ter sido gravados, por exemplo, cerca de 17 CDs. Para o SIC, custos de lançamentos devem ser suprimidos, o projeto tem que ter a cultura como um fim e também uma contrapartida social. Então esse dinheiro é única e exclusivamente para o CD.
Os 11 projetos observados têm diferenças entre os valores específicos. Os horários de gravação, por exemplo, estão custeadas entre R$ 40 e R$ 80, sendo o último valor cobrado por menos que quatro estúdios da cidade. Os mais requisitados pelos artistas que aprovam no SIC, o Fábrica e Mr.Mouse, têm valor tabelado respectivamente de R$ 70 e R$ 60, sendo sempre negociado de acordo com o cliente. Os projetos apresentam também valores diferentes para a prensagem dos CDs, serviço que só é oferecido por duas empresas, ambas cobrando o mesmo valor de R$ 4.
Segundo as regras de pontuação do SIC, esses detalhes técnicos tem peso 1 na decisão da aprovação do projeto. Para o secretário de cultura da cidade, João Roberto Peixe, "não se pode padronizar todas as áreas, cultura é algo que tem uma flexibilidade muito grande, então não teríamos como ter todos os discos ou obras de arte feitas com o mesmo valor". A garantia que a Prefeitura pode dar é estabelecer um limite de R$ 50 mil por projeto. "Um projeto diferenciado requer um custo diferenciado por ser tecnicamente diferente, não temos como estabelecer critérios para isso", explica.
Apesar disso, existem subjetividades relevantes entre os projetos aprovados. Enquanto o disco "Coque: Arrebentando Muros Invisíveis" pediu R$ 24.084,91 para um projeto que incluía ensaio, transporte e gravação de oito bandas diferentes, o disco "Maestro Ademir Araújo - O Mestre da Banda" conseguiu quase o dobro, R$ 49.999,09 (havia pedido R$ 71,590,79). Sem especificar transportes ou horas de ensaio, a única diferença entre os dois projetos é que o segundo previa o pagamento de direitos autorais no valor total de R$ 3 mil.
Observando os projetos concluídos, foi percebido que existe também um acumulo das funções propostas. Muitas vezes o próprio músico é o projetista, captador de recursos e, principalmente, produtor musical e executivo do projeto do disco. Situação que é comum na cadeia produtiva da música independente, quando as funções existentes no modelo de uma grande gravadora são suprimidas. No Sic, juntas, essas funções somam cerca de R$ 10 mil em quase todos os projetos.
Uma outra subjetividade delicada diz respeito à contrapartida social proposta pelos projetos. Em quase todos os projetos referentes à gravação de disco, é oferecido a doação de uma parte da prensagem. O grupo Sá Grama, por exemplo, destinou 150 cópias, de uma prensagem de 3 mil CDs, ao Instituto Social à Criança, presidido pela dama (sic) do Recife. Já o CD "Onde o Amor foi Demais", que aprovou um valor de R$ 48.232, ofereceu a contrapartida na forma de "gerar empregos diretos e indiretos ... porque a gravação vai ser feita em nossa cidade".
Levei a questão ao sociólogo, compositor – já teve músicas gravadas pelo ótimo Gonzaga Leal - e professor da pós-graduação em sociologia da Universidade Federal de Pernambuco Paulo Marcondes, "a contrapartida é válida, porque o CD é o material que o artista dispõe e, apesar de ser um produto estético, é também de mercado". Marcondes fez questão de frisar que precisaria de uma reflexão maior sobre o assunto, mas atentou ao fato do pouco valor que um CD tem hoje, devido à crescente queda de vendas.
Em primeira instância, entretanto, ele opina que "seria mais válido que fossem determinados um número de shows pagos, gratuito para o músico que estaria abrindo mão de seu cachê, com a renda dos ingressos revertida para essas instituições porque hoje em dia o artista fatura verdadeiramente com o show e não com o disco". Algumas contrapartidas interessantes que surgiram nos projetos diziam respeito a um trabalho aproximado à auto-estima de um bairro. De novo, o CD do Coque (uma favela do Recife) chamou atenção, já que se destinaria a trabalhar a música sob uma nova abordagem. Dizia assim: “queremos tirar o bairro dos cadernos de política dos jornais e colocar nos de cultura”.
E nas suas cidades, como funciona esse processo de incentivo a cultura?
No ano passado, a Secretaria de Cultura da Prefeitura da Cidade do Recife distribuiu, através do Sistema de Incentivo a Cultura (SIC), um total de R$ 329.947,48 entre 11 projetos ligados à área de música. Fui conferir cada um dos projetos aprovados na edição anterior e eram quase todos para a gravação de CDs, com exceção do festival de música clássica Virtuosi.
No SIC, música não é apenas a área com o maior número de projetos aprovados, como é também a que tem os maiores valores. Seguido de teatro, que em 2006 aprovou dez projetos. No total, todos os aprovados somaram R$ 1,200,000 (um milhão e duzentos mil), que equivale a 1% da arrecadação do município. Parcela que ainda é considerado pouca para a maioria dos produtores, que defendem um recorte maior dessa arrecadação.
Isso não significa que, se aprovado, o projeto leva esse dinheiro. O que ele ganha é o direito de dar a uma empresa – um mecenas – a isenção fiscal para que esse dinheiro seja revertido diretamente em cultura. Alguns conseguem captar o que pedem, outros conseguem mais. Uma parte considerável também não consegue, o que tem levado a secretaria em repensar essa lógica. “Esse dinheiro viraria imposto arrecadado de toda forma, então talvez encaminharmos ele direto, a secretaria consiga garantir que os produtores possam fazer seus projetos”, ponderou o secretário de cultura do Recife, João Roberto Peixe.
Para ter uma idéia de quanto representa este valor de R$ 329,947,48, consultei o técnico de som Leonardo Domingues, do estúdio Mr. Mouse. Segundo ele, um disco com média de 12 faixas, gravado e mixado em estúdio, com uma prensagem de mil cópias, tem custo médio hoje de R$ 20 mil. O que significa que com o valor total distribuído entre os projetos de música poderiam ter sido gravados, por exemplo, cerca de 17 CDs. Para o SIC, custos de lançamentos devem ser suprimidos, o projeto tem que ter a cultura como um fim e também uma contrapartida social. Então esse dinheiro é única e exclusivamente para o CD.
Os 11 projetos observados têm diferenças entre os valores específicos. Os horários de gravação, por exemplo, estão custeadas entre R$ 40 e R$ 80, sendo o último valor cobrado por menos que quatro estúdios da cidade. Os mais requisitados pelos artistas que aprovam no SIC, o Fábrica e Mr.Mouse, têm valor tabelado respectivamente de R$ 70 e R$ 60, sendo sempre negociado de acordo com o cliente. Os projetos apresentam também valores diferentes para a prensagem dos CDs, serviço que só é oferecido por duas empresas, ambas cobrando o mesmo valor de R$ 4.
Segundo as regras de pontuação do SIC, esses detalhes técnicos tem peso 1 na decisão da aprovação do projeto. Para o secretário de cultura da cidade, João Roberto Peixe, "não se pode padronizar todas as áreas, cultura é algo que tem uma flexibilidade muito grande, então não teríamos como ter todos os discos ou obras de arte feitas com o mesmo valor". A garantia que a Prefeitura pode dar é estabelecer um limite de R$ 50 mil por projeto. "Um projeto diferenciado requer um custo diferenciado por ser tecnicamente diferente, não temos como estabelecer critérios para isso", explica.
Apesar disso, existem subjetividades relevantes entre os projetos aprovados. Enquanto o disco "Coque: Arrebentando Muros Invisíveis" pediu R$ 24.084,91 para um projeto que incluía ensaio, transporte e gravação de oito bandas diferentes, o disco "Maestro Ademir Araújo - O Mestre da Banda" conseguiu quase o dobro, R$ 49.999,09 (havia pedido R$ 71,590,79). Sem especificar transportes ou horas de ensaio, a única diferença entre os dois projetos é que o segundo previa o pagamento de direitos autorais no valor total de R$ 3 mil.
Observando os projetos concluídos, foi percebido que existe também um acumulo das funções propostas. Muitas vezes o próprio músico é o projetista, captador de recursos e, principalmente, produtor musical e executivo do projeto do disco. Situação que é comum na cadeia produtiva da música independente, quando as funções existentes no modelo de uma grande gravadora são suprimidas. No Sic, juntas, essas funções somam cerca de R$ 10 mil em quase todos os projetos.
Uma outra subjetividade delicada diz respeito à contrapartida social proposta pelos projetos. Em quase todos os projetos referentes à gravação de disco, é oferecido a doação de uma parte da prensagem. O grupo Sá Grama, por exemplo, destinou 150 cópias, de uma prensagem de 3 mil CDs, ao Instituto Social à Criança, presidido pela dama (sic) do Recife. Já o CD "Onde o Amor foi Demais", que aprovou um valor de R$ 48.232, ofereceu a contrapartida na forma de "gerar empregos diretos e indiretos ... porque a gravação vai ser feita em nossa cidade".
Levei a questão ao sociólogo, compositor – já teve músicas gravadas pelo ótimo Gonzaga Leal - e professor da pós-graduação em sociologia da Universidade Federal de Pernambuco Paulo Marcondes, "a contrapartida é válida, porque o CD é o material que o artista dispõe e, apesar de ser um produto estético, é também de mercado". Marcondes fez questão de frisar que precisaria de uma reflexão maior sobre o assunto, mas atentou ao fato do pouco valor que um CD tem hoje, devido à crescente queda de vendas.
Em primeira instância, entretanto, ele opina que "seria mais válido que fossem determinados um número de shows pagos, gratuito para o músico que estaria abrindo mão de seu cachê, com a renda dos ingressos revertida para essas instituições porque hoje em dia o artista fatura verdadeiramente com o show e não com o disco". Algumas contrapartidas interessantes que surgiram nos projetos diziam respeito a um trabalho aproximado à auto-estima de um bairro. De novo, o CD do Coque (uma favela do Recife) chamou atenção, já que se destinaria a trabalhar a música sob uma nova abordagem. Dizia assim: “queremos tirar o bairro dos cadernos de política dos jornais e colocar nos de cultura”.
E nas suas cidades, como funciona esse processo de incentivo a cultura?
POR: Bruno Nogueira
FONTE: www.overmundo.com.br
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