Fiat Lux é uma expressão latina de profundo cunho filosófico e metafísico. A frase bíblica, traduzida como “faça-se a luz”, sintetiza o ato da criação. É um tema que ocupou a mente dos homens intelectualmente mais brilhantes do nosso mundo, de Parmênides a Leibniz, passando por São Tomás de Aquino, e continua presente, mesmo nas manifestações culturais mais inesperadas do presente, como nas Histórias em Quadrinhos e nas obras de Ficção Científica.
Filosoficamente, o assunto é especialmente pertinente à classe artística, que goza do status de criadora por excelência. Isso é tão significativo para mim, que o fato de não ter me aprofundado o suficiente nesse debate de gigantes pelas dobras dos séculos, faz refrear algumas pretensões artísticas que a vaidade possa me insuflar. Ainda assim, pelo pouco que consegui absorver do tema, parece-me claro que, no campo da atuação humana, toda criação parte de uma realidade preexistente para uma supra realidade. É esse mesmo o conceito original de Poesia desenvolvido por Aristóteles e que abarcava a criação artística em geral. Nesse sentido, o gênio do artista concebe sua obra a partir da readequação dos dados concretos acumulados pela sua experiência e capacidade de observação. E o resultado final soa mais como uma reprodução ou recomposição da realidade em que é possível distinguir criador, matéria-prima e criatura.
O conceito do ato criativo a partir do nada – creatio ex nihilo - só surgiu com a tradição hebraica cristã e já penetra na esfera da divindade. São Tomás de Aquino explora isso à exaustão. Somente Deus pode emanar uma matéria diferente de Si mesmo e, a partir dela, moldar uma realidade à parte, mas ainda assim contida em Si mesmo. Daí que, para muitos pensadores, o deus criador seria uma divindade secundária, o Demiurgo platônico, pois ao Deus Absoluto só cabe a emanação, ou seja o desdobramento da unidade na mutiplicidade.
O assunto é estupendamente abstrato e requeriria milhares de palavras mais sábias que as minhas, portanto vamos entrar na questão que me interessa particularmente. Considerando a impossibilidade humana da criação a partir do nada, fica notória a necessidade permanente de preparação do artista para abastecer de experiências seu banco de dados mental de onde a imaginação retirará a matéria prima para criar a obra de arte. A etapa seguinte é a concretização da idéia, função da técnica.
VALE DO AÇO
Transpondo este discurso para a realidade do Vale do Aço, o que observo é o crescimento desproporcional dos artistas no campo da técnica. Nós temos atores ecléticos, músicos e instrumentistas virtuoses, cineastas engajados, artistas plásticos premiadíssimos, escritores atuantes e por aí vai. Isso é muito bom, mas não acho que seja suficiente. Faltam criadores, na acepção maior do termo. E por mais que os agentes culturais discutam questões como identidade, inovação, tradição etc., acredito que a solução para esses temas passa mais pela área da criação do que da técnica.
Também não creio que esse problema seja uma particularidade local ou regional, mas uma anomalia geral que assola o país e, por que não dizer, o mundo. Falta-me a erudição necessária para rastrear suas origens mais remotas, mas tenho independência e clareza mental suficientes para detectar que uma das bases do problema é o relativismo desconstrucionista, que vampiriza a inteligência da maior parte da intelectualidade.
Ora, a mente humana procede internamente apenas num caráter ordenativo, organizando os dados caóticos captados pelos sentidos em categorias que servem, posteriormente, para alimentar a memória e a imaginação, entre outras funções psicológicas. Tradicionalmente, o trabalho intelectual, incluindo o de artistas, tinha como preocupação maior absorver esses dados diretamente e o mais fiéis possíveis da realidade. Desse modo, era possível construir hipóteses e obras a partir de modelos concretos e que, por isso eram ajustados ou correspondentes às possibilidades cabíveis em um mundo real. Dizia Aristóteles que a função da Arte é representar o possível e, com isso insere a Poética no conjunto dos discursos aristotélicos, junto com a retórica, a dialética e a lógica, como previu o filósofo islâmico Avicena e o demonstrou o brasileiro Olavo de Carvalho.
A partir do momento em que nega a veracidade dos dados reais, o Desconstrucionismo libera a mente para criar, a partir do nada, as bases que a inteligência utilizará para produzir conhecimento. O resultado menos maléfico disso é a subversão da ordem natural. Por mais fantasiosa que seja uma obra, o público receptor, conscientemente ou não, consegue captar dali os pressupostos da realidade que, recombinados, lhe serviram de tijolos estruturais. Exemplo: por trás de toda a grandiosidade imaginativa de O Senhor dos Anéis, do lingüista inglês John R. Tolkien, não tem como negar a presença de valores cristãos, amalgamados à mitologia anglo-saxã. Ou seja, duas forças culturais que, historicamente, moldaram o povo inglês.
Pois bem, se a arte não é simulacro da realidade - simulacro não é cópia fiel de algo, mas uma recriação a partir de um original pré-existente - ela não apenas deixa de ser aplicável positivamente ao real, mas induz, inconscientemente, à crença num pseudo-universo existente apenas na cabeça do criador desconstrucionista. Nesse relativismo geral, qualquer um pode dar à luz sua própria fantasia autogerada, transformando o conjunto social em um caos, onde os fatos e fenômenos nada mais significam e toda tentativa de ordem dissolve-se na barafunda mental reinante.
Todo esforço civilizante dá-se no sentido de estabelecer valores que se sobreponham aos instintos animais presentes no homem. É natural que essa própria natureza dúbia do ser humano seja um empecilho à concretização da civilização perfeita, criada pelo uso sublime da razão e mantida à duras penas no processo histórico. É ainda lógico que se o intelecto renega as bases da civilização, sua cria, tende a retornar à animalidade intrínseca do homem, agora potencializada pela inteligência. É o retorno ao domínio total dos instintos, à barbárie, como já profetizou o filósofo Mário Ferreira dos Santos.
“Na verdade, a invasão que é a penetração gradual e ampla dos bárbaros não só se processa horizontalmente pela penetração no território civilizado, mas também verticalmente, que é a que penetra pela cultura, solapando os seus fundamentos, e preparando o caminho à corrupção mais fácil do ciclo cultural, como aconteceu no fim do império romano, e como começa a acontecer agora entre nós." (em A invasão vertical dos bárbaros)
Admitindo-se que a criação a partir do nada é impossível à mente humana, o que a imaginação do artista desconstrucionista faz, pois, é recorrer aos substratos inconscientes da nossa herança animalesca, sem nenhum compromisso com a verdade ou com algum princípio superior que seja capaz de dar coesão à nossa aventura civilizacional, mas focado apenas no próprio interesse quando não na bestialidade dos instintos. Isso explica a grosseria das manifestações artísticas mais recentes, normalmente centradas na sensualidade luxuriosa, nos comentários paupérrimos e invejosos, na luta desgrenhada pelo dinheiro como fonte primordial de “inspiração” etc.
Já no aspecto metafísico, o sistema desconstrucionista, ao sugerir a creatio ex nihilo, um atributo divino, leva ao extremo o pecado do orgulho, que, na simbologia cristã, foi a causa das duas quedas bíblicas: a de Lúcifer e a de Adão, ambos por tentarem ser iguais a Deus. Um dos meus mestres, o compositor Elomar Figueira Melo, disse-me uma vez que o mal do artista moderno é o orgulho. Pare ele, toda arte é inspiração divina, pois é nesse ato que o homem se torna a imagem de Deus. Creio não ser desnecessário enfatizar que a imagem só existe como reflexo de um ente original. Isso coloca, ainda, em relevância o fato dos pensadores clássicos considerarem as obras da Natureza, criação divina, superiores às obras humanas.
E para concluir, já que em nossos tempos relativistas ninguém tem tempo para pensar em coisas sérias, principalmente quando o propósito é um convite à reflexão. Refletir implica em aceitar a existência de algo antes de nós, algo a que devemos nos posicionar de frente e contemplar. É esse o meu convite a todos os criadores de todas artes. Criar é um dom, que merece a dedicação extrema e o primeiro passo é a formação. Vamos nos alimentar primeiro: dos fatos, da realidade, estudar com sinceridade o quase incomensurável acervo da nossa história particular e universal. Ao proceder assim, nutrimos a possibilidade de criar de fato obras eternas que possam servir de luz ao mundo.
Não tenham dúvida: apenas a verdadeira arte é imortal, o resto é passatempo, é falta do que fazer, é meio de ganhar dinheiro fácil, é subterfúgio para revelar desvios de comportamento; em suma, é qualquer coisa, mas não é criação, no sentido sublime do termo.
Façamos luz, colegas. Isso é tudo.
Filosoficamente, o assunto é especialmente pertinente à classe artística, que goza do status de criadora por excelência. Isso é tão significativo para mim, que o fato de não ter me aprofundado o suficiente nesse debate de gigantes pelas dobras dos séculos, faz refrear algumas pretensões artísticas que a vaidade possa me insuflar. Ainda assim, pelo pouco que consegui absorver do tema, parece-me claro que, no campo da atuação humana, toda criação parte de uma realidade preexistente para uma supra realidade. É esse mesmo o conceito original de Poesia desenvolvido por Aristóteles e que abarcava a criação artística em geral. Nesse sentido, o gênio do artista concebe sua obra a partir da readequação dos dados concretos acumulados pela sua experiência e capacidade de observação. E o resultado final soa mais como uma reprodução ou recomposição da realidade em que é possível distinguir criador, matéria-prima e criatura.
O conceito do ato criativo a partir do nada – creatio ex nihilo - só surgiu com a tradição hebraica cristã e já penetra na esfera da divindade. São Tomás de Aquino explora isso à exaustão. Somente Deus pode emanar uma matéria diferente de Si mesmo e, a partir dela, moldar uma realidade à parte, mas ainda assim contida em Si mesmo. Daí que, para muitos pensadores, o deus criador seria uma divindade secundária, o Demiurgo platônico, pois ao Deus Absoluto só cabe a emanação, ou seja o desdobramento da unidade na mutiplicidade.
O assunto é estupendamente abstrato e requeriria milhares de palavras mais sábias que as minhas, portanto vamos entrar na questão que me interessa particularmente. Considerando a impossibilidade humana da criação a partir do nada, fica notória a necessidade permanente de preparação do artista para abastecer de experiências seu banco de dados mental de onde a imaginação retirará a matéria prima para criar a obra de arte. A etapa seguinte é a concretização da idéia, função da técnica.
VALE DO AÇO
Transpondo este discurso para a realidade do Vale do Aço, o que observo é o crescimento desproporcional dos artistas no campo da técnica. Nós temos atores ecléticos, músicos e instrumentistas virtuoses, cineastas engajados, artistas plásticos premiadíssimos, escritores atuantes e por aí vai. Isso é muito bom, mas não acho que seja suficiente. Faltam criadores, na acepção maior do termo. E por mais que os agentes culturais discutam questões como identidade, inovação, tradição etc., acredito que a solução para esses temas passa mais pela área da criação do que da técnica.
Também não creio que esse problema seja uma particularidade local ou regional, mas uma anomalia geral que assola o país e, por que não dizer, o mundo. Falta-me a erudição necessária para rastrear suas origens mais remotas, mas tenho independência e clareza mental suficientes para detectar que uma das bases do problema é o relativismo desconstrucionista, que vampiriza a inteligência da maior parte da intelectualidade.
Ora, a mente humana procede internamente apenas num caráter ordenativo, organizando os dados caóticos captados pelos sentidos em categorias que servem, posteriormente, para alimentar a memória e a imaginação, entre outras funções psicológicas. Tradicionalmente, o trabalho intelectual, incluindo o de artistas, tinha como preocupação maior absorver esses dados diretamente e o mais fiéis possíveis da realidade. Desse modo, era possível construir hipóteses e obras a partir de modelos concretos e que, por isso eram ajustados ou correspondentes às possibilidades cabíveis em um mundo real. Dizia Aristóteles que a função da Arte é representar o possível e, com isso insere a Poética no conjunto dos discursos aristotélicos, junto com a retórica, a dialética e a lógica, como previu o filósofo islâmico Avicena e o demonstrou o brasileiro Olavo de Carvalho.
A partir do momento em que nega a veracidade dos dados reais, o Desconstrucionismo libera a mente para criar, a partir do nada, as bases que a inteligência utilizará para produzir conhecimento. O resultado menos maléfico disso é a subversão da ordem natural. Por mais fantasiosa que seja uma obra, o público receptor, conscientemente ou não, consegue captar dali os pressupostos da realidade que, recombinados, lhe serviram de tijolos estruturais. Exemplo: por trás de toda a grandiosidade imaginativa de O Senhor dos Anéis, do lingüista inglês John R. Tolkien, não tem como negar a presença de valores cristãos, amalgamados à mitologia anglo-saxã. Ou seja, duas forças culturais que, historicamente, moldaram o povo inglês.
Pois bem, se a arte não é simulacro da realidade - simulacro não é cópia fiel de algo, mas uma recriação a partir de um original pré-existente - ela não apenas deixa de ser aplicável positivamente ao real, mas induz, inconscientemente, à crença num pseudo-universo existente apenas na cabeça do criador desconstrucionista. Nesse relativismo geral, qualquer um pode dar à luz sua própria fantasia autogerada, transformando o conjunto social em um caos, onde os fatos e fenômenos nada mais significam e toda tentativa de ordem dissolve-se na barafunda mental reinante.
Todo esforço civilizante dá-se no sentido de estabelecer valores que se sobreponham aos instintos animais presentes no homem. É natural que essa própria natureza dúbia do ser humano seja um empecilho à concretização da civilização perfeita, criada pelo uso sublime da razão e mantida à duras penas no processo histórico. É ainda lógico que se o intelecto renega as bases da civilização, sua cria, tende a retornar à animalidade intrínseca do homem, agora potencializada pela inteligência. É o retorno ao domínio total dos instintos, à barbárie, como já profetizou o filósofo Mário Ferreira dos Santos.
“Na verdade, a invasão que é a penetração gradual e ampla dos bárbaros não só se processa horizontalmente pela penetração no território civilizado, mas também verticalmente, que é a que penetra pela cultura, solapando os seus fundamentos, e preparando o caminho à corrupção mais fácil do ciclo cultural, como aconteceu no fim do império romano, e como começa a acontecer agora entre nós." (em A invasão vertical dos bárbaros)
Admitindo-se que a criação a partir do nada é impossível à mente humana, o que a imaginação do artista desconstrucionista faz, pois, é recorrer aos substratos inconscientes da nossa herança animalesca, sem nenhum compromisso com a verdade ou com algum princípio superior que seja capaz de dar coesão à nossa aventura civilizacional, mas focado apenas no próprio interesse quando não na bestialidade dos instintos. Isso explica a grosseria das manifestações artísticas mais recentes, normalmente centradas na sensualidade luxuriosa, nos comentários paupérrimos e invejosos, na luta desgrenhada pelo dinheiro como fonte primordial de “inspiração” etc.
Já no aspecto metafísico, o sistema desconstrucionista, ao sugerir a creatio ex nihilo, um atributo divino, leva ao extremo o pecado do orgulho, que, na simbologia cristã, foi a causa das duas quedas bíblicas: a de Lúcifer e a de Adão, ambos por tentarem ser iguais a Deus. Um dos meus mestres, o compositor Elomar Figueira Melo, disse-me uma vez que o mal do artista moderno é o orgulho. Pare ele, toda arte é inspiração divina, pois é nesse ato que o homem se torna a imagem de Deus. Creio não ser desnecessário enfatizar que a imagem só existe como reflexo de um ente original. Isso coloca, ainda, em relevância o fato dos pensadores clássicos considerarem as obras da Natureza, criação divina, superiores às obras humanas.
E para concluir, já que em nossos tempos relativistas ninguém tem tempo para pensar em coisas sérias, principalmente quando o propósito é um convite à reflexão. Refletir implica em aceitar a existência de algo antes de nós, algo a que devemos nos posicionar de frente e contemplar. É esse o meu convite a todos os criadores de todas artes. Criar é um dom, que merece a dedicação extrema e o primeiro passo é a formação. Vamos nos alimentar primeiro: dos fatos, da realidade, estudar com sinceridade o quase incomensurável acervo da nossa história particular e universal. Ao proceder assim, nutrimos a possibilidade de criar de fato obras eternas que possam servir de luz ao mundo.
Não tenham dúvida: apenas a verdadeira arte é imortal, o resto é passatempo, é falta do que fazer, é meio de ganhar dinheiro fácil, é subterfúgio para revelar desvios de comportamento; em suma, é qualquer coisa, mas não é criação, no sentido sublime do termo.
Façamos luz, colegas. Isso é tudo.
Um comentário:
Excelente!!!
Retrato imodesto do presente vivido!!!
Façamos luz!
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