segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Literatura de Cordel: uma ferramenta educativa

Na minha ignorância imaginava que a Literatura de Cordel fosse uma produção exclusiva de uma determinada região nordestina. O mais distante de lá que vi esses livrinhos em impressão tipográfica e geralmente com capas reproduzindo xilogravuras foi, aqui no Rio, na Feira de São Cristóvão, o grande ponto de encontro dos nordestinos na metrópole sudestina.

Todos eles eram impressos lá por cima, Paraíba, Pernambuco, Ceará. Mas nos últimos anos comecei a me interessar pelo assunto e verifiquei, primeiro que o espaço geográfico original do cordel era bem mais amplo, pelo menos desde a Bahia até o Maranhão, e depois que existia uma produção fora do eixo nordeste (cujos exemplos mais recentes são o cantor e compositor Chico Salles, paraibano residindo no Rio e o xilogravurista Ciro, também paraibano e também morador daqui).

Jeová Franklin, um dos maiores pesquisadores e colecionadores brasileiros do assunto, além de cordelista (como se chamam os poetas do cordel), radicado em Brasília e que por coincidência conheci recentemente quando ele veio ao Encontro Nacional de Pesquisadores de Literatura de Cordel, acontecido aqui no Rio, na Casa de Rui Barbosa, diz que a xilogravura popular no cordel, está fazendo 100 anos (está lançando um livro sobre isso). É lógico que o próprio livrinho de cordel deve ser um pouco mais velhinho: Segundo Câmara Cascudo os primeiros foram editados em Pernambuco em 1873. Não seria surpresa, portanto, que eles pudessem ter se expandido pelo país. Aqui mesmo no Rio de Janeiro existe a ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel, mantida heroicamente por seu diretor Gonçalo Ferreira da Silva, com sede em Santa Teresa.

Esse intróito todo é para dizer que encontrei em Massambará, distrito rural de Vassouras, RJ, uma série de livrinhos de cordel, produzidos pelos alunos da Escola Municipal Abel Machado, contando a história do local através da poesia. Os livrinhos são a ponta visível de um projeto muito bonito desenvolvido pela professora e atual diretora da Escola de Andrade Pinto (outro distrito de Vassouras) Jussara Pereira de Almeida.

Jussara nasceu na cidade mineira de Águas Vermelhas, na Zona da Mata, quase na divisa com a Bahia onde a presença dos cantadores era uma tradição. Seu avô tinha o hábito de escrever e recitar alguns versos no formato tradicional das sextilhas. Professora de Língua Portuguesa, sempre gostou do tema e um dia começou a falar sobre o assunto em sala de aula e encantou os seus alunos de 5ª a 8ª séries.

O assunto acabou rendendo um papo sobre as diferenças regionais e gerou um incentivo em saber mais sobre a própria localidade de Massambará, o local onde viviam. Os alunos iniciaram então um projeto de reconhecimento da comunidade, começando a percorrer a vizinhança, rompendo desconfianças e tomando depoimentos e ouvindo histórias dos moradores. Alguns deles vinham até a sala de aula para prestar seus depoimentos. Ao final dessa parte do projeto o registro desse material acabou adotando a forma dos livrinhos de cordel. Logicamente o formato em sextilhas se mostrou muito difícil para os alunos que adotaram as quadrinhas, versinhos simples de produzir. O projeto demorou perto de um ano letivo para a tomada dos depoimentos e organização do material mas no ano seguinte a Secretaria de Educação fez questão de imprimir as publicações.

Eis uma amostra de um dos folhetos, escrita por Michelle, Marcia e Rosilaine, alunas da escola:

Saúde em primeiro lugar
Massambará não tinha posto
Para o povo era um sufoco
Quem quisesse ia para outro lugar
Ainda bem que tinha a D. Aninha
Parteira que muitas vidas pode salvar

D. Aninha para quem conheceu,
Sabe que era uma grande criatura,
Por tantas maravilhas que fez,
Ajudando no nascimento
Dos filhos de Massambará,
Que também são seus


Jussara realizou trabalho semelhante na Jardim Escola Peter Pan de Vassouras em conjunto com alunos e o orientador Leonardo Santos Corrêa e produziram o cordel Einstein, o cabeça do mundo, que foi premiado na feira de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio.

A Literatura popular como ferramenta auxiliar na Educação parece ter se desenvolvido muito nos últimos anos. Uma editora do Ceará, a Tupynanquim, lançou recentemente o segundo volume de uma coleção com 12 folhetos, a Coleção Cancão de Fogo – Literatura de Cordel na Sala de Aula, além de um livro Acorda Cordel na Sala de Aula de Arievaldo Viana Lima.

Um outro entusiasta do Cordel no município de Vassouras é o professor universitário na Universidade Severino Sombra, Simão Pedro dos Santos, formado pela UFRJ com tese sobre Cultura popular. Com o nome artístico de Pedro Pernambuco ele escreve também cordéis e realiza oficinas de literatura com seus alunos utilizando o cordel como material de trabalho. Pedro Pernambuco tem um programa de 2 horas de duração na Rádio Comunitária Interativa FM 98,7 Mhz de Vassouras e reserva uma espaço para recitar poemas de cordel no programa.

A literatura de cordel e o seu formato em livrinhos pode ser uma grande ferramenta para divulgação da poesia, mas também para servir para a garotada se aproximar da literatura e do mundo editorial por conta da relativa facilidade de produzir e imprimir com suas próprias mãos o seu próprio material. Quem souber de outras iniciativas educativas semelhantes em outra cidades do Brasil, por favor comente aqui neste post, ou colabore com novas matérias.

E me despeço com o que dois alunos de Massambará, Paola da Silva e Anderson T. da Silva, escreveram, há 7 anos atrás, na última quadrinha de seu folheto:

Mas muitas coisas aprendemos,
Mas muito ainda há para descobrir
Quem sabe um dia saberemos
Toda história do povo daqui…



FONTE: Overmundo
Por: Egeu Laus

Nenhum comentário: