É de barbárie e violência que o Grupo Corpo fala em sua nova criação, que estréia no dia 1.º, com música de Lenine e fortes doses de hip-hop
A coisa ficou preta. É de violência e barbárie que o Grupo Corpo trata em Breu, a nova criação, que estréia a sua já tradicional temporada paulistana de duas semanas no Teatro Alfa no dia 1º, onde se apresenta até dia 12. Na sua sede, a companhia mineira corre com os preparativos, em meio à celebração do honroso convite que recebeu para ser a abertura de gala da temporada 2008 do BAM, em Nova York, onde dançará de 25 a 28 de março.
Breu tem uma trilha originalmente composta por Lenine, coreografia de Rodrigo Pederneiras, figurinos de Freusa Zechmeister e iluminação e cenografia de Paulo Pederneiras. A inteligente logotipia escolhida para a palavra “breu”, uma obra em si mesma, criação de Paulo Pederneiras e Guilherme Seara, já indica do que se trata: é um breu escrito com pó branco, com os rastros das fileirinhas expostos sobre um fundo escuro. As ambivalências aí expostas (nas trocas entre o claro e o escuro, entre as retas das carreirinhas e os desenhos dos volumes do pó) abrem as portas para as outras, que costuram a peça.
As malhas partem o corpo em frente e costas. Na frente, grafismos que produzem aquele embaralhamento perceptivo da op art, desenhados por Freusa Zechmeister. Nas costas, um preto brilhante “para mimetizá-los ao cenário”, explica ela, que completa: “Folheando um livro, encontrei a produção de David Hockney para The Rake´s Progress, de Stravinsky, e naquele momento descobri como seria o meu figurino. Mesmo que ninguém veja a ligação, ele vem de lá.”
O cenário inverte a função do preto da famosa caixa preta do teatro. “Aquele preto é para ser neutro, para não contar, e aqui, ele é a ênfase”, diz Paulo Pederneiras, também diretor da companhia. Serão cerca de 1.800 placas pretas brilhantes e bisotadas de 40 cm X 40 cm, azulejando toda a caixa preta e um piso com um linóleo de cor e brilho iguais. Nesse ambiente, os bailarinos se tornam uma verdadeira partitura gráfica.
A coreografia de Rodrigo Pederneiras vai causar estranheza a quem está habituado com as suas criações. A começar pela composição de Lenine. “Escolhi o Lenine porque ele tem uma música com assinatura, muito urbana e contemporânea, mas com o interior de Pernambuco ali presente. Adoro aquela batida de violão percussiva dele. Mas fiquei fã mesmo foi quando começamos a trabalhar, quando a pessoa se somou à qualidade da música que ele faz.”
Vem uma melodia, parece que ela vai dar um descanso, daí um trompete (de Cláudio Faria) começa a brigar com um trombone (de Bocato). Vem o frevo, mas ele nunca aparece como frevo. Está e não está, e no lugar da caixa do frevo, ouve-se a bateria de Iggor Cavalera, ex-Sepultura. Sem letra, a trilha foi produzida pelo próprio Lenine, em parceria com o gritarrista Jr. Tostoi, com quem divide também os samples, as edições e a programação.
As misturas que estão na música rebatem nas misturas do figurino e nas novas misturas que apontaram na gramática que Rodrigo Pederneiras vem desenvolvendo. “Aqui, quis tudo muito cru, sem o tipo de acabamento que nos caracteriza. Aqui, o que conta é a intenção, o modo como a coisa é apresentada pelo bailarino. Não estou preocupado se todas as cabeças balançam iguaizinhas, mas como cada qual se põe em movimento”, conta ele.
Mudou o jeito de dançar, e também o material dançado. Corpos-compasso se recurvam sobre si mesmos, desenhando no chão a circularidade sem saída de Breu, que começa pelo seu fim. Pernas fálicas cortam essa circularidade, atuando como ignições de deslocamentos. Quase todo o tempo no chão, os corpos se empurram, se apóiam e saqueiam energia uns dos outros. A presença do hip hop está mais intensa, mas algo do balé também irrompe.
Segundo Macau, assistente de Rodrigo Pederneiras, foram quatro professores distintos intercalando com Bettina Belluomo, a maître da companhia, nos últimos meses: o russo Youzef Raoukout, Manoel Francisco, do Municipal do Rio, Fátima Cerqueira, mineira que mora e trabalha na Dinamarca, e Liliane Benevento, de SP. “Há muitos anos não passamos 8 meses em BH durante um processo de criação. Dessa vez, só o interrompemos para a turnê por seis cidades mineiras que acabamos de realizar, e isso fez uma diferença no processo de montagem de Breu.”
A desolação está lá, desde a primeira cena, a dos corpos-paisagem-devastada, sobre os quais sopra o vento e a respiração/cheirada. O ambiente escuro, puro breu, lembra a frieza facilmente associável a uma sala de tortura. Ao longo dos 40 minutos que se seguem, esses corpos terão dificuldade de escapar do chão, das quedas, dos enfrentamentos. Muitas vezes, vão precisar de sustentação e apoio, aqui e ali, como quem não se agüenta mais.
“É muito raro, é raríssimo sentar, assistir e gostar de algo meu. E de Breu, eu gosto”, confidencia Rodrigo. Admite que há algo diferente aparecendo no seu processo de inventar coreografias, que ficou mais bruto e mais econômico, apontando para outro tipo de interesse. E sorri quando me ouve dizer que esse é o primeiro balé político nos 32 anos de história do Grupo Corpo.
TURNÊ 2007
Mantido pelo dinheiro público via Lei Rouanet da Petrobrás, em 2006, o Grupo Corpo dançou 94 espetáculos, dos quais 62 ocorreram fora do Brasil. Com a vasta experiência em se apresentar em teatros, aqui e no exterior, Paulo Pederneiras não vê muita transformação positiva acontecendo nos teatros brasileiros. “Aqui se constrói, mas não se conserva. E se constrói muito mal, imaginando que o que conta é apenas colocar o equipamento de último tipo que, na maior parte das vezes, não atende ao que se precisa, de fato. Por conta disso, para poder apresentar-se com o acabamento necessário, o Corpo viaja com todo o seu equipamento, com exceção do Teatro Alfa, em São Paulo, que é um primor técnico.”
Em São Paulo, Breu será apresentado com uma das obras que a cia. não dança desde 1999, Sete ou Oito Peças para Um Balé, com trilha de Philip Glass e do grupo mineiro Uakti. De São Paulo, o Grupo Corpo segue para o Theatro Municipal do Rio (16 a 19 de agosto), o Teatro Nacional, de Brasília (30 de agosto a 2 de setembro), o Palácio das Artes, em Belo Horizonte (6 a 10 de setembro), depois Palma de Mallorca, na Espanha (29 de setembro), Théâtre Champs-Elysées, em Paris (3 a 7 de outubro), uma turnê por três cidades francesas entre 10 e 16 de outubro e, em seguida, a volta ao País. No Brasil, dançará ainda no Teatro Guaíra, em Curitiba (20 e 21 de novembro), no Teatro do Sesi, em Porto Alegre (24 e 25 de novembro). A turnê 2007 se encerra em Buenos Aires, no Teatro Opera (29 de novembro a 2 de dezembro).
Na Europa, Breu será mostrado com Onqotô (2005): no sul do Brasil e na Argentina, acompanhado por Lecuona (2004).
FONTE: Helena Katz para - O Estado de São Paulo
Breu tem uma trilha originalmente composta por Lenine, coreografia de Rodrigo Pederneiras, figurinos de Freusa Zechmeister e iluminação e cenografia de Paulo Pederneiras. A inteligente logotipia escolhida para a palavra “breu”, uma obra em si mesma, criação de Paulo Pederneiras e Guilherme Seara, já indica do que se trata: é um breu escrito com pó branco, com os rastros das fileirinhas expostos sobre um fundo escuro. As ambivalências aí expostas (nas trocas entre o claro e o escuro, entre as retas das carreirinhas e os desenhos dos volumes do pó) abrem as portas para as outras, que costuram a peça.
As malhas partem o corpo em frente e costas. Na frente, grafismos que produzem aquele embaralhamento perceptivo da op art, desenhados por Freusa Zechmeister. Nas costas, um preto brilhante “para mimetizá-los ao cenário”, explica ela, que completa: “Folheando um livro, encontrei a produção de David Hockney para The Rake´s Progress, de Stravinsky, e naquele momento descobri como seria o meu figurino. Mesmo que ninguém veja a ligação, ele vem de lá.”
O cenário inverte a função do preto da famosa caixa preta do teatro. “Aquele preto é para ser neutro, para não contar, e aqui, ele é a ênfase”, diz Paulo Pederneiras, também diretor da companhia. Serão cerca de 1.800 placas pretas brilhantes e bisotadas de 40 cm X 40 cm, azulejando toda a caixa preta e um piso com um linóleo de cor e brilho iguais. Nesse ambiente, os bailarinos se tornam uma verdadeira partitura gráfica.
A coreografia de Rodrigo Pederneiras vai causar estranheza a quem está habituado com as suas criações. A começar pela composição de Lenine. “Escolhi o Lenine porque ele tem uma música com assinatura, muito urbana e contemporânea, mas com o interior de Pernambuco ali presente. Adoro aquela batida de violão percussiva dele. Mas fiquei fã mesmo foi quando começamos a trabalhar, quando a pessoa se somou à qualidade da música que ele faz.”
Vem uma melodia, parece que ela vai dar um descanso, daí um trompete (de Cláudio Faria) começa a brigar com um trombone (de Bocato). Vem o frevo, mas ele nunca aparece como frevo. Está e não está, e no lugar da caixa do frevo, ouve-se a bateria de Iggor Cavalera, ex-Sepultura. Sem letra, a trilha foi produzida pelo próprio Lenine, em parceria com o gritarrista Jr. Tostoi, com quem divide também os samples, as edições e a programação.
As misturas que estão na música rebatem nas misturas do figurino e nas novas misturas que apontaram na gramática que Rodrigo Pederneiras vem desenvolvendo. “Aqui, quis tudo muito cru, sem o tipo de acabamento que nos caracteriza. Aqui, o que conta é a intenção, o modo como a coisa é apresentada pelo bailarino. Não estou preocupado se todas as cabeças balançam iguaizinhas, mas como cada qual se põe em movimento”, conta ele.
Mudou o jeito de dançar, e também o material dançado. Corpos-compasso se recurvam sobre si mesmos, desenhando no chão a circularidade sem saída de Breu, que começa pelo seu fim. Pernas fálicas cortam essa circularidade, atuando como ignições de deslocamentos. Quase todo o tempo no chão, os corpos se empurram, se apóiam e saqueiam energia uns dos outros. A presença do hip hop está mais intensa, mas algo do balé também irrompe.
Segundo Macau, assistente de Rodrigo Pederneiras, foram quatro professores distintos intercalando com Bettina Belluomo, a maître da companhia, nos últimos meses: o russo Youzef Raoukout, Manoel Francisco, do Municipal do Rio, Fátima Cerqueira, mineira que mora e trabalha na Dinamarca, e Liliane Benevento, de SP. “Há muitos anos não passamos 8 meses em BH durante um processo de criação. Dessa vez, só o interrompemos para a turnê por seis cidades mineiras que acabamos de realizar, e isso fez uma diferença no processo de montagem de Breu.”
A desolação está lá, desde a primeira cena, a dos corpos-paisagem-devastada, sobre os quais sopra o vento e a respiração/cheirada. O ambiente escuro, puro breu, lembra a frieza facilmente associável a uma sala de tortura. Ao longo dos 40 minutos que se seguem, esses corpos terão dificuldade de escapar do chão, das quedas, dos enfrentamentos. Muitas vezes, vão precisar de sustentação e apoio, aqui e ali, como quem não se agüenta mais.
“É muito raro, é raríssimo sentar, assistir e gostar de algo meu. E de Breu, eu gosto”, confidencia Rodrigo. Admite que há algo diferente aparecendo no seu processo de inventar coreografias, que ficou mais bruto e mais econômico, apontando para outro tipo de interesse. E sorri quando me ouve dizer que esse é o primeiro balé político nos 32 anos de história do Grupo Corpo.
TURNÊ 2007
Mantido pelo dinheiro público via Lei Rouanet da Petrobrás, em 2006, o Grupo Corpo dançou 94 espetáculos, dos quais 62 ocorreram fora do Brasil. Com a vasta experiência em se apresentar em teatros, aqui e no exterior, Paulo Pederneiras não vê muita transformação positiva acontecendo nos teatros brasileiros. “Aqui se constrói, mas não se conserva. E se constrói muito mal, imaginando que o que conta é apenas colocar o equipamento de último tipo que, na maior parte das vezes, não atende ao que se precisa, de fato. Por conta disso, para poder apresentar-se com o acabamento necessário, o Corpo viaja com todo o seu equipamento, com exceção do Teatro Alfa, em São Paulo, que é um primor técnico.”
Em São Paulo, Breu será apresentado com uma das obras que a cia. não dança desde 1999, Sete ou Oito Peças para Um Balé, com trilha de Philip Glass e do grupo mineiro Uakti. De São Paulo, o Grupo Corpo segue para o Theatro Municipal do Rio (16 a 19 de agosto), o Teatro Nacional, de Brasília (30 de agosto a 2 de setembro), o Palácio das Artes, em Belo Horizonte (6 a 10 de setembro), depois Palma de Mallorca, na Espanha (29 de setembro), Théâtre Champs-Elysées, em Paris (3 a 7 de outubro), uma turnê por três cidades francesas entre 10 e 16 de outubro e, em seguida, a volta ao País. No Brasil, dançará ainda no Teatro Guaíra, em Curitiba (20 e 21 de novembro), no Teatro do Sesi, em Porto Alegre (24 e 25 de novembro). A turnê 2007 se encerra em Buenos Aires, no Teatro Opera (29 de novembro a 2 de dezembro).
Na Europa, Breu será mostrado com Onqotô (2005): no sul do Brasil e na Argentina, acompanhado por Lecuona (2004).
FONTE: Helena Katz para - O Estado de São Paulo
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