I Mostra Filmes Polvo, que começa hoje em Belo Horizonte , quer ampliar o debate sobre a crítica e suas relações com a produção cinematográfica
Não apenas com filmes se constrói a cinematográfica de um país. É fundamental que haja também alguma forma de articulação entre eles, estabelecendo parâmetros estéticos e ideológicos e criando, com isso, um conjunto cuja identidade seja capaz de expressar uma cultura. A crítica e suas variadas relações com a produção cinematográfica é o principal instrumento dessa articulação necessária e foi tomada como o tema central da I Mostra Filmes Polvo de Cinema e Crítica: Entre a Reflexão e a Realização, que começa hoje, no Cine Humberto Mauro, e reúne críticos, cineastas e sobretudo aqueles que exercem as duas atividades, além da exibição de filmes que tratam da temática (veja programação abaixo).
A mostra vem celebrar o primeiro ano de vida da revista eletrônica "Filmes Polvo" (www.filmespolvo. com.br), composta de nove integrantes e dedicada exclusivamente a textos e ensaios sobre cinema. "Queremos apresentar uma nova fase, inaugurando outro visual do site", afirma Rafael Ciccarini, editor da "Filmes Polvo" e coordenador da mostra. "O que mais nos interessa, porém, é a reflexão. Não basta apenas a celebração do aniversário. A idéia é tentar retomar a tradição crítica e cineclubista que Minas Gerais sempre teve."
A escolha por exibir filmes de quem antes pensou o cinema veio ao encontro de um histórico que vai além das fronteiras nacionais (remetendo a Godard e Truffaut, fundadores da revista "Cahiers du Cinema" e importantes autores nas telas francesas), mas guarda por aqui significativos momentos. "O próprio Glauber Rocha, o nosso maior cineasta, foi também um crítico. E é preciso entender o que ele escrevia para entendermos o diretor que foi", afirma Ciccarini.
A mostra tem início hoje com a exibição do documentário "Crítico", do pernambucano Kleber Mendonça Filho. Repórter e analista de cinema no "Jornal do Commercio", do Recife, Kleber passou dez anos registrando entrevistas com críticos e cineastas para abordar justamente a relação entre um lado e outro e se é possível a "convivência" entre ambos. "O filme é, antes de tudo, sobre relações humanas e busca pensar, em parte, como cada um lida com aceitação e rejeição", explica o diretor, acrescentando que o longa é um subproduto direto do seu trabaho como jornalista. Toda a obra em curta-metragem do pernambucano, composta por quatro trabalhos (como os premiados "Vinil Verde" e "Eletrodoméstica"), ganhará uma retrospectiva na mostra.
Além de Kleber Mendonça, participam da Mostra Filmes Polvo, tanto em presença nos debates como em filmes exibidos, cineastas-críticos experientes, como Carlos Reichenbach ("Filme Demência") e os mineiros Paulo Augusto Gomes ("Idolatrada") e Geraldo Veloso ("Perdidos e Malditos"), e outros de uma geração recente, casos de Tiago Mata Machado ("O Quadrado de Joana"), Cléber Eduardo ("Almas Passantes") e Eduardo Valente ("Um Sol Alaranjado").
"Há muito o que ser pensado. O cinema brasileiro tem uma série de problemas, da relação com o público até a distribuição", comenta Ciccarini. "E uma cinematografia não se faz apenas a partir de filmes, mas também da reflexão, criando parâmetros e dando sentido ao que é produzido". Ele frisa que a mostra serve ainda como forma de agregar um novo viés de pensadores de cinema que vem se formando em revistas virtuais, como Contracampo, Cinética e Cinequanon.
O crítico Marcelo Miranda, que atua no Magazine e na "Filmes Polvo", comenta que, numa mesa de debates com os editores dessas revistas, a ser realizada amanhã, os participantes deverão estar "numa espécie de berlinda". "Queremos que eles também ouçam opiniões porque é preciso fazer todos pensarem o próprio trabalho", diz Marcelo.
Dinâmica
Rafael Ciccarini enxerga a mostra como uma forma quase psicanalítica. "Uma das características do cinema contemporâneo é a auto-reflexividade, ou seja, quando um filme reflete o seu próprio processo de criação e se assume enquanto linguagem. Sempre senti falta disso no cinema brasileiro. Mas aí vem filmes como ’Crime Delicado’, do Beto Brant, ’O Quadrado de Joana’, do Tiago Mata, ’Serras da Desordem’, do Andrea Tonacci, ou ’Jogo de Cena’, do Coutinho’, e tocam nessas questões de identidade", diz.
Relacionando as convergências entre pensar e fazer, e a importância disso para a constituição de cinematografias específicas, Cléber Eduardo, ex-crítico da revista "Época" e hoje um dos editores da "Cinética" (www.revistacinetica.com.br), contextualiza: "Em alguns momentos da história do cinema, aconteceram avanços e transformações na linguagem que eram reivindicados na crítica antes mesmo de se darem na prática. Nas vanguardas dos anos 20, por exemplo, os próprios realizadores eram também teóricos que tinham testamentos escritos sobre a questão da linguagem".
Cléber lembra os casos do neo-realismo italiano, do cinema soviético, do próprio Cinema Novo brasileiro e da Nouvelle Vague francesa. "Em muitos desses momentos de renovação ou de ruptura com a linguagem hegemônica, você tem a crítica como celeiro teórico de suas manifestações."
Diretor de "Almas Passantes" junto com Ilana Feldman, Cléber acredita que a dinâmica de filmagens distancia-se muitas vezes da reflexão crítica. "A produção de um filme é um território empírico, cujos problemas você vai ter que resolver na hora. Depende muito mais de uma capacidade de decisão e pragmatismo. A partir do momento que você passa para o exercício prático, você se depara com exercícios autônomos e todas essas contingências da prática que não têm nada a ver com crítica, mas, sim, com questões técnicas", pondera ele.
No momento, ele está envolvido em outro projeto - um documentário sobre a torcida do Juventus, de São Paulo. "Seja quando estive realizando ’Almas Passantes’ como agora, estou trabalhando com a motivação que nasceu do fato de escrever sobre cinema", conta. "Como tenho conhecimento da história dos filmes, do que já foi feito, do que ainda pode ser realizado, a atividade crítica é um estímulo para a realização. Ao mesmo tempo é uma angústia porque às vezes a consciência do que já foi feito pode ser inibidora. Aí você tem que quebrar mais a cabeça porque acha sempre que aquilo vai ficar óbvio."
A mostra vem celebrar o primeiro ano de vida da revista eletrônica "Filmes Polvo" (www.filmespolvo. com.br), composta de nove integrantes e dedicada exclusivamente a textos e ensaios sobre cinema. "Queremos apresentar uma nova fase, inaugurando outro visual do site", afirma Rafael Ciccarini, editor da "Filmes Polvo" e coordenador da mostra. "O que mais nos interessa, porém, é a reflexão. Não basta apenas a celebração do aniversário. A idéia é tentar retomar a tradição crítica e cineclubista que Minas Gerais sempre teve."
A escolha por exibir filmes de quem antes pensou o cinema veio ao encontro de um histórico que vai além das fronteiras nacionais (remetendo a Godard e Truffaut, fundadores da revista "Cahiers du Cinema" e importantes autores nas telas francesas), mas guarda por aqui significativos momentos. "O próprio Glauber Rocha, o nosso maior cineasta, foi também um crítico. E é preciso entender o que ele escrevia para entendermos o diretor que foi", afirma Ciccarini.
A mostra tem início hoje com a exibição do documentário "Crítico", do pernambucano Kleber Mendonça Filho. Repórter e analista de cinema no "Jornal do Commercio", do Recife, Kleber passou dez anos registrando entrevistas com críticos e cineastas para abordar justamente a relação entre um lado e outro e se é possível a "convivência" entre ambos. "O filme é, antes de tudo, sobre relações humanas e busca pensar, em parte, como cada um lida com aceitação e rejeição", explica o diretor, acrescentando que o longa é um subproduto direto do seu trabaho como jornalista. Toda a obra em curta-metragem do pernambucano, composta por quatro trabalhos (como os premiados "Vinil Verde" e "Eletrodoméstica"), ganhará uma retrospectiva na mostra.
Além de Kleber Mendonça, participam da Mostra Filmes Polvo, tanto em presença nos debates como em filmes exibidos, cineastas-críticos experientes, como Carlos Reichenbach ("Filme Demência") e os mineiros Paulo Augusto Gomes ("Idolatrada") e Geraldo Veloso ("Perdidos e Malditos"), e outros de uma geração recente, casos de Tiago Mata Machado ("O Quadrado de Joana"), Cléber Eduardo ("Almas Passantes") e Eduardo Valente ("Um Sol Alaranjado").
"Há muito o que ser pensado. O cinema brasileiro tem uma série de problemas, da relação com o público até a distribuição", comenta Ciccarini. "E uma cinematografia não se faz apenas a partir de filmes, mas também da reflexão, criando parâmetros e dando sentido ao que é produzido". Ele frisa que a mostra serve ainda como forma de agregar um novo viés de pensadores de cinema que vem se formando em revistas virtuais, como Contracampo, Cinética e Cinequanon.
O crítico Marcelo Miranda, que atua no Magazine e na "Filmes Polvo", comenta que, numa mesa de debates com os editores dessas revistas, a ser realizada amanhã, os participantes deverão estar "numa espécie de berlinda". "Queremos que eles também ouçam opiniões porque é preciso fazer todos pensarem o próprio trabalho", diz Marcelo.
Dinâmica
Rafael Ciccarini enxerga a mostra como uma forma quase psicanalítica. "Uma das características do cinema contemporâneo é a auto-reflexividade, ou seja, quando um filme reflete o seu próprio processo de criação e se assume enquanto linguagem. Sempre senti falta disso no cinema brasileiro. Mas aí vem filmes como ’Crime Delicado’, do Beto Brant, ’O Quadrado de Joana’, do Tiago Mata, ’Serras da Desordem’, do Andrea Tonacci, ou ’Jogo de Cena’, do Coutinho’, e tocam nessas questões de identidade", diz.
Relacionando as convergências entre pensar e fazer, e a importância disso para a constituição de cinematografias específicas, Cléber Eduardo, ex-crítico da revista "Época" e hoje um dos editores da "Cinética" (www.revistacinetica.com.br), contextualiza: "Em alguns momentos da história do cinema, aconteceram avanços e transformações na linguagem que eram reivindicados na crítica antes mesmo de se darem na prática. Nas vanguardas dos anos 20, por exemplo, os próprios realizadores eram também teóricos que tinham testamentos escritos sobre a questão da linguagem".
Cléber lembra os casos do neo-realismo italiano, do cinema soviético, do próprio Cinema Novo brasileiro e da Nouvelle Vague francesa. "Em muitos desses momentos de renovação ou de ruptura com a linguagem hegemônica, você tem a crítica como celeiro teórico de suas manifestações."
Diretor de "Almas Passantes" junto com Ilana Feldman, Cléber acredita que a dinâmica de filmagens distancia-se muitas vezes da reflexão crítica. "A produção de um filme é um território empírico, cujos problemas você vai ter que resolver na hora. Depende muito mais de uma capacidade de decisão e pragmatismo. A partir do momento que você passa para o exercício prático, você se depara com exercícios autônomos e todas essas contingências da prática que não têm nada a ver com crítica, mas, sim, com questões técnicas", pondera ele.
No momento, ele está envolvido em outro projeto - um documentário sobre a torcida do Juventus, de São Paulo. "Seja quando estive realizando ’Almas Passantes’ como agora, estou trabalhando com a motivação que nasceu do fato de escrever sobre cinema", conta. "Como tenho conhecimento da história dos filmes, do que já foi feito, do que ainda pode ser realizado, a atividade crítica é um estímulo para a realização. Ao mesmo tempo é uma angústia porque às vezes a consciência do que já foi feito pode ser inibidora. Aí você tem que quebrar mais a cabeça porque acha sempre que aquilo vai ficar óbvio."
FONTE: O Tempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário