Com direito a canja de Naná Vasconcelos, o bandolinista Hamilton de Holanda e o violonista Yamandu Costa encerraram, na noite de domingo, a quarta edição da Mostra Internacional de Música em Olinda (Mimo), um festival que poderia se realizar em qualquer cidade histórica mineira pela sua proposta estética: a maior parte dos recitais é organizada no interior das centenárias igrejas. Na colonial Sé de Olinda, repleta de gente - por dentro e por fora, onde um telão reproduzia o espetáculo -, a dupla de cordas pôs término a uma jornada pela música instrumental que começou na última quarta-feira no mesmo local com o internacionalmente reconhecido violoncelista Antonio Meneses e a pianista e professora da UFMG Celina Szrvinsk.
Durante cinco dias, a comunidade pernambucana teve acesso gratuitamente a 27 concertos de mais de 300 músicos. A organização estima que mais de 25 mil pessoas foram platéia no evento, o que é muito se pensarmos que Olinda é a terra do frevo, do maracatu, do mangue beat e não tem exatamente uma tradição de consumo de música erudita. "A ‘sacada maravilhosa são as igrejas, e o povo sabe receber, concentrando-se e se soltando na hora que precisa", conta Hamilton de Holanda, referindo-se a talvez o único momento em todos os espetáculos em que a platéia fez barulho: no emocionante encerramento, durante a canja de Naná, que puxou um cortejo com ele e Yamandu no altar e terminou com todos cantando "As Pastorinhas".
O percussionista Paulo Santos teve impressão semelhante. "Foi uma grata satisfação, sentimos a reação do público que lotou a igreja, um silêncio total, uma grande expectativa de entender e absorver nossa música. O Mimo é uma audácia", completa o integrante do Uakti, que se apresentou na cidade na quinta-feira, poucas horas antes de Naná fazer o seu próprio show, com Egberto Gismonti, retomando uma parceria desfeita há quase três décadas, quando, juntos, lançaram premiado o álbum "Dança das Cabeças". Algumas apresentações da Mimo foram realmente memoráveis, como a primeira vez no Brasil dos 12 instrumentistas de cordas do Czech Chamber Soloists.
O piano de João Donato e a clarineta de Paulo Moura também dialogaram, na nave do Seminário de Olinda, ao anoitecer do sábado, na mesma hora em que o violoncelista norte-americano Eugene Friesen tecia seus improvisos na igreja de São Pedro, obrigando o público a uma escolha entre ambos os programas. Nem mesmo a chuva que caiu durante o dia, impediu que os dois recitais lotassem. E quem optou pelo cello pôde ver Naná, de novo ele, em outra canja, com Friesen.
Pedagogia Além dos recitais e uma seleção de filmes afins em praça pública, a Mimo ofereceu mais de 60 atividades educativas com os artistas envolvidos e que contemplaram 627 alunos inscritos. Tudo de graça. Dessas, a mais pretensiosa certamente foi a de regência, coordenada pelo maestro Isaac Karabtchevsky, com 141 regentes inscritos e na qual os seis alunos mais destacados tiveram a oportunidade de conduzir, num concerto, a Orquestra Petrobras Sinfônica. "É um marco divisório no Brasil. É a primeira vez que se faz um curso de regência com uma orquestra profissional como essa. Normalmente são com estudantes de música", disse o maestro após o recital. "Isso é importante para se desbravar horizontes e talentos. Há muitas pedras para serem descobertas e lapidadas", diz Karabtchevsky, antevendo o surgimento de novos artistas a partir das iniciativas pedagógicas da Mimo. Com várias passagens por Minas Gerais no currículo, Karabtchevsky acredita que um festival como este seria sucesso no Estado. "A experiência da Mimo serve a Ouro Preto, ou mesmo a todas as cidades históricas que têm passado", analisa o maestro. Lu Araújo, idealizadora da Mimo, não descarta a possibilidade de, futuramente, o festival chegar a Minas Gerais. 3
"A mostra em Olinda pode ser um festival-mãe, com edições em outras cidades. Ouro Preto é um sonho porque Minas tem algo que o Pernambuco não tem, que é mão-de-obra especializada. Estamos formando técnicos aqui", diz Lu, que foi produtora de nomes como Elza Soares, Elomar, Zeca Baleiro e João Nogueira e concebeu a Mimo em 2002, após freqüentar o Carnaval em Olinda. "Depois de conhecer o Brasil todo, queria fazer um projeto fora do eixo Rio-São Paulo. Essas igrejas foram construídas num contexto em que havia a música, mas não bastava apenas ocupá-las, eu queria criar uma cena, permitir acesso a informação", diz a empresária, que há quatro anos iniciou o projeto com cerca de R$ 100 mil em patrocínio para cinco concertos e, na edição de 2007, obteve R$ 1 milhão de investimento do setor público e privado para a realização do festival.
Durante cinco dias, a comunidade pernambucana teve acesso gratuitamente a 27 concertos de mais de 300 músicos. A organização estima que mais de 25 mil pessoas foram platéia no evento, o que é muito se pensarmos que Olinda é a terra do frevo, do maracatu, do mangue beat e não tem exatamente uma tradição de consumo de música erudita. "A ‘sacada maravilhosa são as igrejas, e o povo sabe receber, concentrando-se e se soltando na hora que precisa", conta Hamilton de Holanda, referindo-se a talvez o único momento em todos os espetáculos em que a platéia fez barulho: no emocionante encerramento, durante a canja de Naná, que puxou um cortejo com ele e Yamandu no altar e terminou com todos cantando "As Pastorinhas".
O percussionista Paulo Santos teve impressão semelhante. "Foi uma grata satisfação, sentimos a reação do público que lotou a igreja, um silêncio total, uma grande expectativa de entender e absorver nossa música. O Mimo é uma audácia", completa o integrante do Uakti, que se apresentou na cidade na quinta-feira, poucas horas antes de Naná fazer o seu próprio show, com Egberto Gismonti, retomando uma parceria desfeita há quase três décadas, quando, juntos, lançaram premiado o álbum "Dança das Cabeças". Algumas apresentações da Mimo foram realmente memoráveis, como a primeira vez no Brasil dos 12 instrumentistas de cordas do Czech Chamber Soloists.
O piano de João Donato e a clarineta de Paulo Moura também dialogaram, na nave do Seminário de Olinda, ao anoitecer do sábado, na mesma hora em que o violoncelista norte-americano Eugene Friesen tecia seus improvisos na igreja de São Pedro, obrigando o público a uma escolha entre ambos os programas. Nem mesmo a chuva que caiu durante o dia, impediu que os dois recitais lotassem. E quem optou pelo cello pôde ver Naná, de novo ele, em outra canja, com Friesen.
Pedagogia Além dos recitais e uma seleção de filmes afins em praça pública, a Mimo ofereceu mais de 60 atividades educativas com os artistas envolvidos e que contemplaram 627 alunos inscritos. Tudo de graça. Dessas, a mais pretensiosa certamente foi a de regência, coordenada pelo maestro Isaac Karabtchevsky, com 141 regentes inscritos e na qual os seis alunos mais destacados tiveram a oportunidade de conduzir, num concerto, a Orquestra Petrobras Sinfônica. "É um marco divisório no Brasil. É a primeira vez que se faz um curso de regência com uma orquestra profissional como essa. Normalmente são com estudantes de música", disse o maestro após o recital. "Isso é importante para se desbravar horizontes e talentos. Há muitas pedras para serem descobertas e lapidadas", diz Karabtchevsky, antevendo o surgimento de novos artistas a partir das iniciativas pedagógicas da Mimo. Com várias passagens por Minas Gerais no currículo, Karabtchevsky acredita que um festival como este seria sucesso no Estado. "A experiência da Mimo serve a Ouro Preto, ou mesmo a todas as cidades históricas que têm passado", analisa o maestro. Lu Araújo, idealizadora da Mimo, não descarta a possibilidade de, futuramente, o festival chegar a Minas Gerais. 3
"A mostra em Olinda pode ser um festival-mãe, com edições em outras cidades. Ouro Preto é um sonho porque Minas tem algo que o Pernambuco não tem, que é mão-de-obra especializada. Estamos formando técnicos aqui", diz Lu, que foi produtora de nomes como Elza Soares, Elomar, Zeca Baleiro e João Nogueira e concebeu a Mimo em 2002, após freqüentar o Carnaval em Olinda. "Depois de conhecer o Brasil todo, queria fazer um projeto fora do eixo Rio-São Paulo. Essas igrejas foram construídas num contexto em que havia a música, mas não bastava apenas ocupá-las, eu queria criar uma cena, permitir acesso a informação", diz a empresária, que há quatro anos iniciou o projeto com cerca de R$ 100 mil em patrocínio para cinco concertos e, na edição de 2007, obteve R$ 1 milhão de investimento do setor público e privado para a realização do festival.
Armorial
A produtora da Mimo conta que a definição da programação deve evitar a obviedade. "Isso é um desafio, o tratamento não é de um público de periferia. Estreamos muitos programas e estimulamos a produção local", conta Lu, cujo projeto busca abrir espaço para a cultura nacional. Nesse sentido, o recital da atriz e cantora Inez Viana e o Grupo Gesta foi a síntese da proposta do Mimo. O concerto, no Seminário de Olinda, na sexta, reuniu modinhas feitas em parceria pelo compositor pernambucano Capiba e o escritor paraibano Ariano Suassuna e que representam musicalmente o movimento armorial. Lançado em 1970 por Suassuna, o movimento Armorial propunha elevar a cultura popular nordestina ao status erudito. Responsável pela abertura da celebração dos 80 anos de vida do escritor, este ano, em show no Rio de Janeiro, Inez conta que "sentiu-se em casa" com o convite para participar da Mimo.
"Tem tudo a ver com o movimento armorial de juntar o erudito e o popular. É como uma volta às origens, à música que se fazia originalmente dentro dessas igrejas", diz Inez, que pretende registrar o espetáculo em DVD e em novembro começa a ensaiar, com o diretor Aderbal Freire Filho, a peça "A Farsa da Boa Preguiça", de Suassuna. "O ator mineiro Rodolfo Vaz está no elenco. Devemos encenar a peça em Belo Horizonte em janeiro de 2008", completa a atriz. O repórter viajou a convite do festival
FONTE: O Tempo
Por: Marcelo Fiuza
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