segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Você no Palco

No espetáculo Pequenos Milagres, o grupo mineiro Galpão transforma histórias verídicas em dramaturgia uma tendência que vem conquistando adeptos também na literatura e na televisão

* por Mariana Delfini



Um menino vagueia pelas ruas de São Paulo carregando uma cabeça decepada de cachorro embrulhada em jornal. O personagem bem poderia ter saído de um espetáculo sombrio, cheio de metáforas sobre a condição humana, ou de um livro de narrativas fantásticas. Mas ele pertence à "vida real": chama-se José Tarcísio Alves dos Santos, tem 11 anos e saiu do interior de Minas Gerais com a missão de encontrar um médico que fizesse um teste de raiva "no pacote". Essa é umas das histórias que o grupo mineiro Galpão leva para o palco neste mês em Pequenos Milagres, peça com que a companhia comemora 25 anos. O espetáculo é composto por quatro histórias verídicas que, deslocadas para o teatro, ocupam um espaço fronteiriço entre realidade e fantasia: interpretados por atores, seus personagens não devem nada aos heróis ou anti-heróis da ficção.

A idéia foi do diretor convidado Paulo de Moraes, do grupo Armazém, que sugeriu uma montagem parecida com o que o escritor Paul Auster havia feito no livro Achei que Meu pai Fosse Deus, que reuniu narrativas de americanos comuns. "Com essa empreitada, eu poderia continuar com o meu trabalho de construção de dramaturgia e o Galpão manteria sua principal característica, a de identifi cação com o imaginário popular do Brasil e principalmente de Minas Gerais", diz Paulo de Moraes.

As quatro histórias selecionadas O Vestido, O Pracinha da FEB, Cabeça de Cachorro e Casal Náufrago concorreram com mais de 600 cartas e e-mails que chegaram ao grupo por meio da campanha Conte Sua História, realizada em 2006. A escolha foi feita de acordo com as possibilidades de dramatização que cada uma oferecia. Em alguns casos, foi necessário ficcionalizar os depoimentos para traduzir essas sensações, sem deturpar a história. Para caracterizar a separação dos pais da protagonista do episódio O Vestido, por exemplo, foram criados um pai e uma mãe para encenar a separação. O projeto, portanto, não previa uma simples narrativa dos fatos: se ajudasse a dar a dimensão da realidade, a ficção não era descartada.

Apesar da adaptação feita pelo Galpão, as pessoas cujas narrativas serviram de inspiração para Pequenos Milagres se identifi caram com os personagens levados ao palco. Maristela de Fátima Carneiro, a mulher que realizou o sonho de usar um vestido igual ao desejado na infância, ficou surpresa com a sensibilidade dos atores. "Inês Peixoto [a atriz] consegue passar a alegria que eu senti ao rodopiar com o vestido", diz. Também gostou da cena da separação dos pais. "Parecia que eles tinham adivinhado a relação entre os meus pais. Eu escrevi uma frase e eles fizeram uma interpretação que bateu certinho."

Antes da peça, Maristela não tinha contado para ninguém que seu vestido de casamento foi a realização de um sonho de infância. "Não era segredo, mas eu achava que era uma história só minha. Quando eu soube que tinha sido escolhida pelo Galpão, comecei a contar para as outras pessoas e dar mais valor para ela." E acrescenta: "O casamento durou só três anos, mas minha história agora está eternizada".


FONTE: Bravo!

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